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eSports: uma indústria maior que Hollywood

Por Mafalda Frazão - Vida Extra (Expresso)

As consolas, telemóveis e computadores entram hoje em nossas casas muito mais cedo do que entravam há uma geração. Com eles vêm os eSports — jogos digitais que se tornam cada vez mais populares. Os mais jovens são também os mais aficionados para jogar e alguns possuem até um talento natural para o fazer. Mas é preciso ter atenção.

A prática de eSports pode trazer muitos benefícios em termos do desenvolvimento cognitivo das crianças, mas existe uma linha muito ténue entre isso e a prática exaustiva. A garantia é de Raul Ralha, diretor pedagógico da ZERO — primeira e única empresa portuguesa de formação especializada em eSports —, mas a verdade é que são milhões os jogadores que todos os dias se dedicam a este desporto, que se tornou numa das indústrias culturais que mais dinheiro move em todo o mundo, com receitas acima dos grandes filmes de Hollywood.

Em Portugal, no entanto, este ainda é um sector pequeno a nível de reconhecimento, embora tenha vindo a crescer bastante nos últimos anos, no que toca ao desenvolvimento de atletas e marcas investidoras nos eSports. No relatório mais recente da Eurogamer, Portugal ocupa a 38ª posição entre os países que mais dispendem em videojogos, com um gasto estimado de 261 milhões de euros em 2018 para jogos eletrónicos e derivados. Em termos de público recetivo aos eSports, basta ver a adesão da “Lisboa Games Week”, que em apenas duas edições já passou a fasquia dos 100 mil visitantes. Portugal, apesar de se tratar de um país de jogadores, é também uma nação onde os eSports ainda não são reconhecidos como desporto.

No que toca aos jogadores, estudos realizados nos Estados Unidos indicam que os fãs de eSports são, na sua maioria, homens com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos, seguidos da faixa etária dos 18 — 24, um público a que qualquer marca ambiciona chegar.

São várias as empresas multigaming em Portugal que desenvolvem equipas e contratam jogadores. K1ck e GrowUpGaming são dois exemplos. K1ck, por sua vez, é a marca que trabalhou por vários anos com aquele que é hoje o maior nome no gaming português, o jogador Ricardo “Fox” Pacheco.

Como jogador profissional, leva o jogo Counter Strike: Global Offensive (CS:GO) com muita seriedade e treina entre seis a 12 horas por dia, dependendo se tem torneios agendados ou não. Começou a jogar há quase 20 anos num cybercafé em Guimarães, e nunca mais parou, nem pensou em desistir, pois afirma que sempre acreditou em si mesmo. Hoje em dia, “Fox” joga numa equipa nacional que reúne os melhores jogadores portugueses, os “Vodafone Giants”, e já integrou uma das melhores equipas de CS mundiais, os “SK Gaming” — “Aprendi muito. São os melhores com que já joguei”, disse em entrevista ao Vida Extra.

Com patrocínios da RedBull, AOC, Prozis, e muitos outros, afirma que o esforço e dedicação levaram-no ao lugar onde se encontra hoje. “Penso que não estou a ser arrogante quando digo que fiz tanto por este jogo quanto ele fez por mim”. E a verdade é que isso se nota nos torneios que já ganhou e no sucesso da marca de material gaming que criou, a “Fox Gaming Gear”.

Por questões de confidencialidade, Ricardo “Fox” Pacheco não pode discutir pormenores contratuais, mas garante que consegue viver apenas das receitas do jogo, não precisando de conjugar a sua atividade de jogador com mais nenhuma profissão. “Quando chegas a um certo patamar dentro da comunidade, aí sim, consegues viver do gaming com facilidade. Com rendimentos bem acima de outras actividades profissionais ditas 'normais'. O problema é conseguires chegar lá. Eu levei muitos muitos anos a fazê-lo”, afirma acerca dos rendimentos de jogadores profissionais.

Vários são, também, os clubes que têm apostado nos eSports, como é o caso do Boavista FC, que anunciou a sua entrada no meio em junho de 2017. O clube está inserido na liga eFootball.Pro, que tem seis equipas a competir: FC Barcelona, FC Schalke 04, AS Monaco, Celtic FC, Boavista FC e FC Nantes. O presidente da Liga é o jogador do Barcelona, Gerard Piqué, e o videojogo em disputa é o Pro Evolution Soccer (PES) 2019, da empresa Konami — um dos mais populares do futebol virtual, a par com o FIFA, da EA Sports.

Na equipa de PES do Boavista destaca-se o nome Christopher Maduro Morais — vencedor do campeonato do mundo em 2010 e que voltou este ano a impressionar na PES League, que decorreu no Porto no passado dia 27 de abril. Christopher ficou em segundo lugar e ganhou bilhete direto para representar a Portugal na final mundial. O luso-francês de 29 anos, nascido em Paris mas com origens no Peso da Régua, é um dos craques internacionais de PES. Treina entre 30 minutos a quatro ou cinco horas por dia e conjuga a sua atividade de atleta com projetos paralelos. Garante que ainda não lhe é possível viver apenas das receitas dos videojogos. “É uma coisa que se pode tornar viável, não só como jogador, mas também como organizador de eventos relacionados com os jogos eletrónicos, manager ou comentador.”

Neste aspeto, Christopher e “Fox” têm percursos antagónicos. Isto prende-se com o facto de o jogo CS:GO mover muito mais dinheiro e ter uma legião de fãs e de jogadores muito maior que o jogo PES. A estrela de PES falou ao Vida Extra das diferenças que existem entre os variados jogos virtuais e explicou que não basta ser apenas um bom jogador para subsistir no meio. “Não acho que um jogador possa viver facilmente dos eSports. Pelo menos por agora. Mas depende do jogo. Jogos como o League of Legends (LoL) ou o CS têm mais fundos e mais investidores, e têm uma estrutura que permite dar prémios incríveis. Além disso, bons jogadores há muitos, mas é preciso ser excelente para conseguir ter sucesso. É necessário muito trabalho e muito sacrifício e, também, alguma sorte”.

À semelhança de Ricardo Pacheco, Christopher também não deu asas à conversa, no que toca ao lucro que consegue obter através da sua profissão. Referiu que os ganhos são variáveis, de acordo com os prémios recebidos e, uma vez mais, dependendo do jogo em questão. “O PES não é o jogo mais mediático atualmente no panorama do eSports, esta é uma questão que ainda não está estável. Mas durante um ano, se ganhar todas as competições, só em prémios é possível fazer entre a 50 a 80 mil euros”, garante.

Já Reinaldo Ferreira, diretor de tecnologias de informação e também do departamento de eSports do Boavista, falou ao Vida Extra de números. O orçamento do clube para dedicar aos eSports é definido em função da participação em competições. “Com a nossa organização actual, o orçamento anual deveria ser na ordem de uma centena de milhar de euros. Nas condições de mercado actuais, conseguimos gerir a modalidade com menos de metade desse valor”. Referiu, ainda, as condições em que se encontram a maioria dos atletas de eSports pelo mundo fora.

“Os eSports são uma das modalidades mais baratas do desporto em geral — com uma consola, um equipamento base de €300, que dura alguns anos, eventualmente algumas subscrições de serviços, aquisição de jogos e subscrição de acesso à internet, a despesa total não representa mais que poucas dezenas de euros por mês”. Ou seja, os eSports, ao contrário dos desportos físicos, são uma modalidade que não requer grande investimento financeiro por parte dos jogadores. Ainda assim, isto não impede que esta seja uma das indústrias com maiores receitas no mundo. “À escala mundial, dentro dos, talvez, 500 milhões de atletas de eSports profissionais, os que vivem exclusivamente dos rendimentos dos jogos eletrónicos devem estar apenas na ordem dos milhares. Mas isso não impede várias dezenas de jogadores terem ultrapassado já a fasquia do milhão de euros”, estimou o diretor do clube do Bessa, acerca desta atividade milionária.

Os eSports são, assim, uma indústria tida como menor no nosso país, mas são também um dos grandes geradores de receitas no mundo inteiro. Hoje em dia, com a evolução da tecnologia, é possível constituir carreira nos eSports, mas não é fácil perseverar a subsistência no meio. Aos jogadores são exigidas inúmeras horas de treino e é preciso ter sorte para conseguir que alguma marca invista no talento dos atletas.

Às grandes marcas e clubes deste círculo é requerido capital para investir em torneios e jogadores que possam vir a dar retorno desse investimento. Ainda assim, este é um setor que pode vir a dar frutos no nosso país. Na opinião de Christopher Morais, “Portugal tem de ter mais confiança em si porque há muito talento neste país e podem vir a ser criadas muitas oportunidades”. A estrela do Boavista garante que tem visto grandes prestações de jovens portugueses e pensa que o país está num bom caminho.

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